O Respeito pelo Direito à Imagem da Pessoa Retratada (4) – o Consentimento Expresso e a autorização de modelo
[Contribuição de Mário Serra Pereira]
Ainda sobre o consentimento expresso (sempre desejável, como visto anteriormente), importa uma palavra especial para a designada “autorização de modelo”[1].
A autorização de modelo é uma condição incontornável na submissão de retratos para venda em bancos de imagens e uma garantia formal para o fotógrafo. Podendo não estar prevista uma certa utilização (em especial na área comercial) das fotografias aquando da sua realização, caso surja mais tarde essa possibilidade, sem uma autorização de modelo tal não será possível. Pense-se, por exemplo, no fotógrafo de casamento que faz o seu trabalho mas, aquando da negociação da prestação do serviço, não teve o cuidado de assegurar a utilização posterior das imagens fora daquele contexto – por exemplo, venda para um sítio de promoção de eventos de casamento – sem o consentimento dos noivos não poderá fazer a venda das imagens, tendo de os contactar para esse fim.
Limitação voluntária dos direitos de personalidade
Em regra, pode ser acordada entre o fotógrafo e o fotografado a realização de retratos para o uso mais extenso que se possa conceber. A redução a escrito desse acordo (a limitação voluntária do direito de personalidade do retratado) é a forma mais segura de trabalhar, uma vez que estabelece com detalhe que as partes entenderam adequado o modo como são feitas e utilizadas as imagens.
O artigo 81.º do Código Civil permite a chamada limitação voluntária dos direitos de personalidade, estabelecendo, porém, algumas limitações.
A ordem pública
Em primeiro lugar, o n.º 1 do artigo determina que «toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública».
O problema que de imediato se coloca perante a necessidade de aplicação desta norma é o caráter indeterminado do conceito de ordem pública. A este respeito, observa o Professor Baptista Machado, que o legislador recorre muitas vezes a conceitos indeterminados ou a cláusulas gerais – caso da “boa fé”, “abuso de direito”, “bons costumes”, etc.. Ao fazê-lo, o legislador procura que se tenham em conta as circunstâncias do caso concreto e permite adaptar o direito à evolução histórico-social, bem como a ponderação de regras e valores extrajurídicos[2]. A ordem pública é, então, uma cláusula geral, não sendo suscetível de definição a não ser em concreto.
Assim, no que à fotografia diz respeito, devem ser tidas em consideração as particularidades do caso, ponderando valores e máximas extrajurídicas, e a evolução das conceções sociais e da técnica – por exemplo, o que era censurável no início do século XX não é hoje visto da mesma forma.
A revogação da autorização
É mais simples circunscrever a aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 81.º, onde se dispõe que «a limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte».
No caso do fotógrafo que tenha feito um acordo escrito com o retratado e que este, por motivos que não carecerá em absoluto de concretizar, pretenda revogar, o direito à imagem prevalece sobre o acordo firmado. Contudo, o retratado terá forçosamente de indemnizar o fotógrafo. Veja-se um trabalho de nu artístico realizado em estúdio há alguns anos mas que continua a ser uma fonte de rendimento regular para o fotógrafo, em diversos bancos de imagens. Por motivos que apenas dizem respeito ao retratado, este pretende revogar o acordo – pode fazê-lo, mas terá de indemnizar o fotógrafo em valor a fixar face aos prejuízos que essa revogação comprovadamente causar.
A “autorização de modelo” negociada
A autorização de modelo deverá incluir, forçosamente, a identificação completa das partes. No caso de se tratar de menor ou interdito, tal como visto anteriormente, deve subscrever o acordo quem detenha o poder paternal ou a tutela.
Devem ser identificadas com toda a clareza a data em que as fotografias foram realizadas, bem como quais as que são abrangidas pelo acordo. Com efeito, podem estar em causa:
- várias datas (ex., um trabalho com a duração de vários dias);
- várias fotografias: trabalhos diferentes no âmbito da mesma contratação, ex. fotografias formais e informais para diferentes catálogos; fotografias selecionadas para um book e fotografias que não foram ali incluídas.
É do interesse do fotógrafo obter o consentimento mais alargado possível. Contudo, por se tratar de um acordo entre (pelo menos) duas partes, deverá existir um equilíbrio nas condições aplicáveis.
Em geral o fotógrafo pretenderá autorização para expor, reproduzir, transmitir ou modificar, através de qualquer meio técnico, as fotografias realizadas. Igualmente, quer ter a possibilidade de as reproduzir parcialmente ou na sua totalidade em qualquer suporte e integrar com outro tipo de realizações (ex., instalações, outras fotografias, desenhos e ilustrações, vídeo, edição e manipulação digital).
Pode ser relevante a definição do âmbito geográfico de exploração do trabalho, sobretudo considerando a possibilidade de venda global permitida pelos bancos de imagens.
Os ramos de negócio aos quais as fotografias podem ser vendidas também deverão ser levados em consideração, especialmente os mais sensíveis. Com efeito, num trabalho de nu, não é indiferente a venda de imagens em contexto artístico ou para serviços de diversão noturna. A utilização de retratos em publicidade, em campanhas políticas ou com finalidade religiosa também pode ser questionada, pelo que importa a sua regulação prévia.
Não deveria carecer de regulação, por simples bom senso, a impossibilidade de utilização das imagens em contexto pornográfico, xenófobo, violento ou ilícito. Porém, para completa tranquilidade das partes, esta é uma cláusula a contemplar.
Ao fotógrafo poderá importar acautelar a inexistência de um eventual contrato de exclusividade do nome ou imagem do retratado, porquanto poderá ver-se na contingência de não poder usar um trabalho que realizou sem que o modelo em causa o pudesse ter feito por via da existência de um acordo anterior com uma agência ou outro fotógrafo.
Naturalmente, é de regular neste acordo o montante da remuneração acordada e a exclusão de qualquer pedido de remuneração complementar.
Finalmente, a validade do contrato deverá especificar o prazo de utilização das fotografias, esclarecendo-se se é um acordo por tempo indeterminado, se contempla uma validade certa e eventuais renovações automáticas.
Aqui importa salientar que, caso o fotógrafo pretenda vender os retratos em bancos de imagens, deverá ter o cuidado de verificar se é exigida uma minuta específica de acordo ou se poderá usar a sua própria. Este cuidado é igualmente válido para as situações seguintes.
O acordo de adesão
O fotógrafo pode recorrer a um contrato de adesão, ou seja, a um modelo de contrato pré-elaborado, que o modelo se limita a aceitar na íntegra ou mediante a seleção de opções de escolha múltipla previamente formatadas.
Estes contratos são permitidos por lei[3], devendo observar-se um princípio geral de boa-fé e de informação integral ao aderente, não devendo ser substancialmente diferentes dos resultantes de negociação caso a caso.
O acordo à distância
Finalmente, considerando o princípio de liberdade de forma[4] e o enquadramento dos contratos celebrados à distância[5], é um contrato válido o que for celebrado mediante a utilização exclusiva de uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração – sejam por exemplo o correio eletrónico ou mesmo os sistemas de comunicação de mensagens usados em diversas redes sociais.
Este tipo de contrato obedece a regras similares aos feitos presencialmente, com as especificidades resultantes do meio de comunicação utilizado e de prova da identidade e capacidade negocial das partes. É um meio a considerar pelo fotógrafo, mas que será analisado mais em pormenor aquando do tratamento da temática relativa à proteção contratual do fotógrafo.
[1] A propósito de outro tipo de autorizações falar-se-á mais adiante, por exemplo autorização de proprietário e autorização de autor.
[2] JOÃO BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 3.ª edição (reimpressão), Almedina, Coimbra, 2002, pg. 253.
[3] Cf. Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, institui o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
[4] Questão anteriormente abordada. Cf. artigo 219.º do Código Civil.
[5] Cf. Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de janeiro, e Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro.
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