O Respeito pelo Direito à Imagem da Pessoa Retratada (3) – o Consentimento Tácito, um Caso Concreto
[Contribuição de Mário Serra Pereira]
O que é o consentimento tácito?
O consentimento tácito ocorre quando uma pessoa pratica um ato incompatível com o desejo de recusa, ou seja, o seu comportamento leva o interlocutor a crer que se permite a concretização daquele ato. Este tipo de consentimento tem implícita uma conduta categórica e inequívoca. Esta é a regra que decorre, como visto anteriormente, do disposto no n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil.
O planeamento faz parte das preocupações de qualquer fotógrafo. Quando vai realizar um trabalho existem questões óbvias relativas ao equipamento fotográfico e outro material; igualmente com a eventual contratação de pessoal de apoio, o aluguer de um estúdio, as reservas de alojamento e tantos outros pormenores. Porém, nem sempre é possível ou não existe cuidado na obtenção do consentimento das pessoas retratadas – seja num evento social (casamento, batizado, festa privada), seja num evento com cariz puramente comercial, ou numa simples sessão de estúdio. E é quanto ao consentimento que grandes problemas se podem colocar. Com efeito, se a captação da imagem pode não ser, em si, problemática, o seu uso comercial sem consentimento é claramente proibido por lei. Então o que fazer?
As fotografias numa piscina [1]
Mãe e filha, menor, eram frequentadoras de um espaço de fitness, destinado à prática de exercício físico (ginástica, natação, ténis e outras atividades), aberto ao público mediante o pagamento de inscrição e mensalidade.
A empresa proprietária do espaço realizou nas instalações uma sessão pública aberta a sócios e familiares. Mãe e filha participaram nesse evento e encontravam-se na piscina, integradas num grupo com várias pessoas. Apareceram retratadas na capa e numa das páginas interiores de uma revista. As fotografias foram tiradas quando mãe e filha se encontravam na piscina. A revista, com uma tiragem de 20.000 exemplares, foi distribuída como encarte num jornal de grande expansão, para divulgação das atividades da empresa proprietária do espaço e com o intuito de captar novos clientes. A edição da revista esteve ainda disponível no espaço de fitness, podendo ser consultada por todos os que, diariamente, frequentavam o clube.
Esta exposição causou perturbação à mãe, pela sua personalidade sensível, pelo seu enquadramento social e pelo facto de ter sido igualmente exposta a sua filha, menor de idade, pelo que resolveu avançar com uma ação judicial com vista à obtenção de uma indemnização pelos danos morais sofridos com a divulgação alargada das fotografias através de meio de comunicação social – mas, diga-se desde já, sem sucesso.
O consentimento tácito
Perante esta factualidade, o STJ salienta que «tratando-se, no entanto, de um direito indisponível [o direito à imagem de pessoas], no plano constitucional, a lei permite, dentro de determinados limites, a captação, reprodução e publicitação da imagem. Mister é que o titular do direito anua ou consinta na captação, reprodução e publicitação». E, neste contexto, continua: «a lei permite – cfr. artigo 79.º do Código Civil – que a indisponibilidade do direito à própria imagem seja excecionado se o titular do direito der o seu consentimento na captação, reprodução e publicitação da sua imagem. Exige-se que o consentimento seja “expresso” “o que constitui uma garantia de que, efetivamente, o titular está de acordo com a intromissão de um terceiro num bem da personalidade do próprio”. Não é, no entanto, exigível que o consentimento assuma uma forma solene ou formal, mas tão só que ele seja dessumível ou inferível de “facta concludência”. Vale por dizer que para que alguém conceda o consentimento na captação, reprodução ou publicação da sua própria imagem não se torna imprescindível que o manifesto da sua vontade se submeta a uma forma predeterminada ou formalmente preconcebida, bastando, tão só, que a conduta atuada pelo titular do direito se torne compatível com a mencionada captação de imagem». Dito de outra forma, «poderá ocorrer uma “presunção de consentimento” bastando para tal que a conduta do titular do direito à própria imagem revele um comportamento de tal modo alheado à sorte da captação de imagens que deles se possa dessumir uma anuência desprendida ou inane ao conteúdo e destino das imagens captadas» – ou seja, consentindo tacitamente na tomada das imagens.
Limites ao consentimento tácito
Porém, o STJ sublinha que esta forma de consentimento «não pode ser extensível, ou seja não pode a tomada/captação de imagem de alguém ser utilizada para fins diversos daqueles para que o predito consentimento foi percepcionado e/ou anuído. Se alguém aceita, ainda que de forma tácita, ser fotografada para um determinado fim não podem as imagens captadas ser utilizadas para fim diverso, sem que para este específico fim tenha sido obtido prévio consentimento do titular ou pelo menos que, aquando da captação de imagens, não tivesse sido adquirido um sentido inequívoco de que o titular do direito permitiria na utilização das imagens captadas para esse específico fim».
O STJ admite então a possibilidade de serem captadas imagens sem necessidade de consentimento expresso do retratado desde que o contexto da sua tomada seja devidamente percecionado, que a finalidade da sua utilização esteja clara e a sua utilização se contenha dentro dos limites percebidos pelo retratado.
Criação da envolvente para a obtenção do consentimento tácito
A mãe refere que «não conferiu o “consentimento autorizante” para que a reprodução da sua imagem e de sua filha fossem publicadas no encarte do jornal que as viria a publicitar». E o STJ sublinha que «o consentimento (…) deve ser esclarecido, e porque esclarecido, (conscientemente) autorizado (…) de forma “expressa” ou “tácita”».
Porém, foi dado como provado pelo Tribunal que «a Autora e sua filha se encontravam, na qualidade de associadas de um clube de Fitness, numa aula de natação, quando lhes foi anunciado que se encontravam presentes fotógrafos de uma editora que pretendiam tomar imagens de pessoas que se encontrassem no interior da piscina. A captação de imagens da Autora e de sua filha foi-lhes previamente comunicada pelo clube de que era sócia».
Sendo certo que não existiu um acordo expresso para a captação das imagens, o STJ entendeu que «a Autora ao admitir/permitir que fossem captadas fotografias suas e de sua filha na aula de natação e ao ser informada de que as mesmas se destinavam a ser publicadas, ainda que não fosse informada da concreta publicação que as viria a publicar, consentiu: a) – que fosse captada imagem de si e de sua filha menor; b) – que essas fotografias viessem a ser publicadas». Sublinhou especialmente o STJ que a autora «é (ou presuntivamente tem-se porque deva ser) uma pessoa esclarecida pelo que ao consentir na captação e publicação da imagem de si própria e de sua filha apartou-se e alheou-se da publicação em que as imagens seriam publicadas» e que a «acção desenvolvida junto das pessoas que se encontravam naquele momento na piscina foi suficientemente esclarecedor ou informativo que permitia a uma pessoa colocada na mesma situação decidir ou opcionar entre apartar-se do grupo de pessoas que aceitou ser fotografada daquelas outras que anuíram e aderiram na captação de imagens».
Por estes motivos, o STJ conclui que se está «perante um quadro de presunção de consentimento na medida em que o comportamento da Autora não evidencia oposição à utilização das imagens para quaisquer fins (lícitos)».
Pressupostos da responsabilidade civil – Indemnização por danos não patrimoniais
Estabelece o n.º 1 do artigo 342.º Código Civil que «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».
Neste pressuposto, o STJ entendeu não haver lugar ao pagamento de qualquer indemnização, explicando que à autora «cabia provar o facto lesivo de que fazem emergir o direito à indemnização por danos causados na sua intimidade e na esfera de personalizado, substanciado no direito a não verem as respetivas imagens, da A. e de sua filha, serem difundidas num meio de comunicação social. Do mesmo passo, às Rés cabia o ónus de provar que a captação da imagem das AA. havia sido efetuada mediante prévio consentimento e com conhecimento do destino das imagens que iriam ser captadas. A factualidade adquirida para o processo permite concluir que a A. deu não só o seu consentimento para a captação de imagem como consentiu na publicação dessas imagens numa publicação.»
Perante a situação anteriormente exposta, podem retirar-se ensinamentos para a atividade corrente do fotógrafo. A par das preocupações com o equipamento fotográfico, importa também levar em consideração todo o contexto de captação das imagens – na falta ou impossibilidade de obtenção de um consentimento escrito (sempre desejável mas nem sempre exequível), deve cuidar-se de enquadrar a tomada das imagens de modo a que se possa afirmar inequivocamente que os retratados deram o seu consentimento tácito à captação e divulgação das mesmas no contexto em que vierem a ser utilizadas.
[1] Com base no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) proferido em 07-06-2011, no processo 1581/07.3TVLSB.L1.S1. Disponível em www.dgsi.pt
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