O Respeito pelo Direito à Imagem da Pessoa Retratada (1)
[Contribuição de Mário Serra Pereira]
No artigo anterior deixou-se claro que existe um direito – protegido pela Constituição da República Portuguesa – à livre criação cultural, em especial no que respeita à fotografia artística; igualmente e no mesmo plano, é consagrado o direito à expressão (também) através da imagem. Porém, é ainda a própria Lei Fundamental que nos alerta para o dever de respeitar os direitos de outrem – e até de responder civil e/ou criminalmente no caso da sua violação.
Pela sensibilidade que a questão suscita, neste e nos próximos artigos irá fazer-se uma abordagem ao direito de imagem de pessoas retratadas, sendo prestada atenção particular aos direitos e às limitações consagradas na Constituição, no Código Civil e no Código Penal.
Aproximação ao conceito de imagem humana
Na abordagem do conceito de imagem (para efeitos de saber quem pode ser fotografado e em que condições) importa desde logo reter o seguinte:
- Está em causa a figura humana e/ou a sua reprodução em termos tais que tornem reconhecível ou identificável uma pessoa individualmente considerada;
- Pode envolver apenas partes do corpo;
- Basta que o próprio se reconheça.
Quando temos um retrato onde alguém seja reconhecível ou identificável (no seu todo físico ou apenas numa parte), estamos perante uma situação em que o direito à imagem se encontra protegido e onde o direito a fotografar poderá ter de ceder.
Já no que respeita a fotografias de pessoas em que apenas o próprio se reconheça poderemos ter situações controversas. Com efeito, existem autores que sustentam que não basta que o próprio se identifique, havendo necessidade de pelo menos um terceiro também o fazer sem que seja necessário recorrer a técnicas periciais específicas. Porém, ainda que assim possa ser em muitas circunstâncias, a verdade é que poderão existir casos em que o uso abusivo da fotografia em que apenas o próprio se reconheça possa ser suficiente para gerar a tutela do Direito – veja-se a circunstância de um modelo de nu que posa para um fotógrafo, autorizando a reprodução de partes do seu corpo apenas em contexto de exposição artística e que vê surgir fotografias em situação publicitária, por apropriação indevida de terceiro. A este respeito pode ver-se, ainda, a prática corrente dos bancos de imagens, onde a colocação à venda de retratos integrais de pessoas ou em que apenas se vislumbram partes do corpo humano (ou seja, em que tipicamente apenas o próprio se reconhecerá) carece em absoluto de “autorizações de modelo”[1].
O que nos diz a Constituição?
Desde logo a Constituição, no n.º 1 do seu artigo 26.º, estabelece que a todos é reconhecido o direito à imagem, entre outros direitos de personalidade.
Verificamos que a Constituição consagra, como Direito Fundamental de cada um, a faculdade de:
- Não ser fotografado nem ver o seu corpo exposto sem o seu consentimento, com ou sem caráter comercial;
- Não ver o seu corpo apresentado de forma gráfica (ex. desenho) ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel.
É admissível sustentar que não goza do direito à imagem (pelo menos no primeiro sentido) quem ocupe um cargo ou desempenhe uma função em que a publicidade (isto é, o conhecimento e a relação com o público) seja elemento essencial. Estão nesta circunstância figuras públicas como políticos, artistas ou personalidades do jet set que, no exercício dessa atividade, sejam fotografadas e a sua imagem tenha algum tipo de aproveitamento sem que seja necessário o seu consentimento. Já assim não será no caso de essas mesmas personalidades estarem em situação da sua vida privada – neste caso, a proteção que a lei confere alarga-se e é igual à de qualquer cidadão. A este propósito, existe uma linha ténue quanto ao trabalho fotográfico envolvendo figuras públicas e a sua publicação em revistas sobre vida social – estando em causa um direito à informação, muitas vezes esse limite é ultrapassado e podem verificar-se situações de responsabilidade civil e penal para o fotógrafo e outros.
Por outro lado, a concessão desta proteção não determina a exclusão da imagem do comércio – a lei explícita de que modo pode ser prestado o consentimento por parte da pessoa retratada. Desde logo, nos termos do n.º do artigo 217.º do Código Civil, o consentimento pode ser prestado de forma expressa ou tácita. E é isto mesmo que o n.º 1 do artigo 79.º do Código Civil nos explica. Porém, esta necessidade e suas exceções serão analisadas em próximos artigos.
[1] Conceito a explorar em artigo futuro.
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