
O segredo
[Luis Barbosa, V.N.Gaia, 2014]
“A photograph is a secret about a secret. The more it tells you the less you know.”
“Uma fotografia é um segredo sobre um segredo. Quanto mais ela diz, menos você sabe.”
Diane Arbus (1923-1971)
Mas como pode ser um segredo se “tudo” capta? Que mais precisamos para compreender esse segredo? Mais megabytes? Mais fotografias de Marte? Os “mundos” expandem-se os segredos também. Mas a fotografia já não é um segredo, ou será ainda mais?
Porque será que sabemos cada vez menos o que as fotografias nos dizem, ou não dizem, ou apenas o que nos deixam saber. Ou o que queremos saber delas, não o seu segredo, mas o nosso.
A janela e o espelho, emprestando o binómio Szarkowskiniano é ainda fonte de muito segredo, o que vemos por essas janelas pode não ser segredo, mas o que reflete do autor, e sobretudo, o que reflete de nós, como entidade final é, e pode ser, do domínio do secretismo. (A exposição “Mirrors and Windows”, uma exposição de fotografia americana desde 1960, foi inaugurada no The Museum of Modern Art de Nova York em Julho de 1978.)
Outra orientação bifurcada, enquadrada por G. Winogrand e Minor White, mostra como o segredo de cada um pode nem chegar a ser um segredo. Ou será sempre? Um segredo de um segredo. Para G.Winogrand a fotografia está finalizada quando o fotógrafo realiza a obturação, e para M.White, apenas quando o ciclo e tríade fotográfica, se fecha: fotografar, imprimir, visualizar. Esta visualização terá de ser realizada além do autor, por outrem. Verá o mesmo que o autor, “ouvirá” outros segredos? Para M. White, só assim a obra está fechada, quando “eu” a visualizar e esperar que possam surgir segredos desvendados… os meus através dos dele. Coincidirão? O espírito do tempo entre o autor e quem a poderá ver, hoje, é diferente, e ainda que seja visionada no mesmo período temporal, o espelho é diferente, a reflexão será diferente, o possível eco poderá também ser diferente.
Esta dialética entre o ouvir e ver é aqui muito bem-vinda, muito para além do facilitismo linguístico transportado por D. Arbus, consciente que estava que transpunha os limites gramaticais deste seu pensamento.
E voltando ao irrequieto e compulsivo G. Winogrand, que segredos foi ouvindo nas ruas, parques e zoológico onde tantas vezes escutava a vida em frações? Não desejava o eco desses segredos, desejava, verdadeiramente, o grito ou o sussurro, e como estes seriam depois de fotografados. Não lhe interessava os “nossos segredos”.
Muito poderia compor com este pensamento sobre o realizar e observar fotografias. Sobre um outro academismo tão interessante na janela e espelho, agora Barthesiana, o studium e punctum, que lidos pela janela do latim, soam e ecoam melhor. Mesmo que os pixeis sejam abdicados, e o estenopeico eco do remoto passado seja a tal janela da magia naturalis (Giambattista della Porta, 1558). Mas haverá sempre um segredo. O nosso, de como e o que ouvimos, no sentido do ver. Pois o silêncio das imagens é utópico, assim como os seus segredos. Ou ainda mais, e retomando Arbus, sabemos ainda menos quanto mais ela nos conta segredos. Ela a fotografia, ela que é janela e espelho. Janelas e Espelhos.
Tentando ouvir o que aqui está a ser contado, nesta praia em V.N. Gaia, os esforços são em vão, mas, vemos o que se passa nesta cena veraneana banal. Vemos, ainda sem ouvir, um casal mais idoso, que por proximidade e fusão composicional, estabelecem um diálogo, um segredo, o segredo.
Os dois grupos, duas pessoas que são uma, três que são três, mas uma, também, pelas mãos dadas. A quebra na similaridade no número, em vez de “dois-dois”, aqui temos, “dois-três”, um quase, “um-três”.
Os grupos separados por uma quase micro-composição, e o horizonte quase a coincidir com o limite inato da fotografia – assim afinal o mar tem um fim, podia não ter.
Decisões que podemos ter se nos anteciparmos à cena, ainda que não saibamos qual a cena que vamos efetivamente ter.
É também um segredo do próprio segredo neste tipo de abordagem do ato fotográfico. As pegadas na areia parecem toda uma vida, as que foram para o mar, agora são implícitas, pois o mar não quer saber de linhas composicionais, implícitas ou explicitas. Quer saber da linha do horizonte, como uma moldura, e a das marés como uma melodia. A fotografia além de um segredo, também pode ser uma melodia, ou uma cacofonia, ou entre ambos. Mas nunca silencio, sempre um segredo.
Ah e mais outra coisa, que não é segredo, alguém passou por ali, pela cena, reforçando a linha da espuma, da espuma dos dias…
Mas voltando ao momento e sobretudo a esta fusão dos elementos do tal segredo: será devido ao som do mar? Será por um gesto de carinho, assumindo e relembrando a proximidade de ambos? A sua intimidade? E o casal com a criança no mar? Serão da mesma família? Talvez. Talvez outra tríade, pais, filhos, netos. Será o mais obvio.
Mas poderá ser apenas uma leitura óbvia de um leitor óbvio, com uma carga social impregnada como os sais de prata na película ou os impulsos elétricos no sensor digital. Aqui nem mesmo o sensor digital saberá o segredo. Ou o papel fotográfico desta impressão. Nem mesmo o ecrã pela qual a vemos agora. E ainda bem… é muito íntimo este segredo, este é.
Só mais um olhar se me permitem… O senhor está triste? Será o mar? O que o fez lembrar? Quando também eram jovens e tiraram uma fotografia os três? Ou não chegaram a tirar… ou perderam-na e foi como não a chegassem a tirar… enfim… ou nunca foram 3? ou foram?
O mar, assim como as fotografias são pronuncio de passado, são sempre quase iguais e sempre totalmente diferentes. Entre 2014, data da realização deste segredo, agora revelado em 2021, muitas marés e erosão. Mas o segredo, que é mais que um segredo, continua, terá a sua erosão também, mas serão precisas muitas marés e sobreviverá aos detentores do segredo, e a nós que o tentamos, então, revelar. (claro que em condições ideais de conservação, após uma impressão de qualidade, ou um arquivo digital que aguente a próxima tempestade solar. Mas isto poderia ser outro artigo e não enquadrado por mim!)
Como o mar, apenas vemos a sua superfície. O mar como um segredo, a fotografia também.
Diane Airbus: http://www.artnet.com/artists/diane-arbus/
Garry Winogrand: https://www.icp.org/browse/archive/constituents/garry-winogrand?all/all/all/all/0
Minor White: https://www.moma.org/artists/6342#works
John Szarkowski: https://www.moma.org/artists/8084
https://assets.moma.org/documents/moma_catalogue_2347_300062558.pdf
Roland Barthes “ A Câmara Clara ”(Reimpressão da Edição de 2007),Edições 70
Giambattista della Porta, “Magia naturalis “, 1558: https://www.britannica.com/topic/Magia-naturalis
Luis Barbosa, Março 2021
www.luisbarbosaphotography.com