
Fotografia e confinamento
Fotografias de Francisco Feio
São tempos complexos e difíceis os que vivemos e uma vez que muitos relacionarão a fotografia com atividades no exterior, poderão pensar que essa é uma atividade que está fora das nossas possibilidades atuais. Nada mais falso. A fotografia é uma disciplina plural que encerra muitas práticas, cada uma com a sua especificidade e, como veremos, temos muitas hipóteses de trabalho.
Podemos começar pelo arquivo. Para quem se dedica à prática fotográfica, este é um bom momento para olhar para trás e organizar os milhares de fotografias que se foram acumulando à espera do tal dia que que teríamos tempo para as organizar.
Para quem vem da época do filme, talvez seja bom olhar para os negativos, ver se estão em condições, se precisam de ser limpos ou recondicionados, separar os que não estiverem em boas condições de estabilidade química para não contaminarem outros e se precisam de ser organizados e descritos. No caso dos diapositivos, ver se estão bem conservados em termos de estabilidade cromática e sem sinais de
humidade. Se ainda tiver um projetor, talvez seja uma altura para lhe tirar o pó e fazer umas sessões de passagem de diapositivos. Há sempre surpresas que se encontram no meio de imagens que, provavelmente, já nem nos lembrávamos de ter feito.
O mesmo para as provas em papel. Ver se estão bem guardadas e conservadas o que não será fácil dada a falta de qualidade técnica da maioria das provas que se imprimiam por aí. Também neste caso será bom aproveitar para organizar, se necessário, o arquivo. Quanto ao arquivo digital, também são requeridos cuidados específicos e este é um bom momento para pensar neles. Organizar ficheiros, fazer alguma seleção (partindo do princípio que tem guardado tudo o que fica no cartão ou o telefone), organizar os ficheiros e dar-lhes alguma descrição mínima que lhe permita, daqui a uns anos, saber de que tratam aquelas fotografias (talvez uma organização simples em pastas, divididas por anos e com sub-pastas em que cada nome corresponde a uma descrição, ainda que vaga do conteúdo). Não se esqueça de aproveitar para finalmente fazer cópias de segurança dos seus ficheiros (sim, aquelas que um dia disse que ia fazer e que nunca fez). E já agora, selecione as que lhe são mais importantes e mande imprimir, em condições, numa casa da especialidade. Opte por impressões de qualidade, em jato de tinta, e não aquelas impressões 10×15 que fazem em todo o lado. Podem ser caras, mas perder as fotografias para sempre pode ser pior.
Mas mesmo que não se dedique intensamente à fotografia, terá certamente algum arquivo familiar para olhar e cuidar. Utilize este tempo para recolher as fotografias que poderão andar dispersas, fale com familiares que possam ajudar a identificar pessoas que apareçam nas fotografias e que já não sabe quem são. É um bom legado para deixar às gerações futuras que assim terão um registo de uma história
que acabarão elas por passar um dia, com os acrescentos que naturalmente forem sendo feitos.
E isto leva-nos a outra hipótese de trabalho que aqui se abre. As fotografias mostram pessoas, gestos, espaços, tempo que vem de um tempo anterior ao nosso (ainda que dele façamos parte); contam histórias e são ponto de partida para narrativas, umas mais pessoais outras mais impessoais. Assim, olhe para as fotografias feitas por si ou que tenham chegado até si e escreva. Escreva sobre o que se lembra, sobre o que lhe faz lembrar, sobre o que gostaria que lhe lembrassem. Mesmo que de início lhe pareça difícil, verá que com o tempo a tarefa se tornará cada vez mais simples e perceberá que tem nas mãos uma ferramenta com um potencial muito grande de criação de histórias. Talvez se entusiasme e comece a fotografar já com as suas próprias narrativas em mente.
Para quem tem uma veia mais criativa e artística, pode experimentar fazer colagens e pintar em cima das fotografias. Pode optar por fazer isto usando fotografias que já tem impressas ou mandar imprimir para o efeito. Depois é usar tesoura e cola e pode completar com materiais diversos como tintas e lápis. Se dominar técnicas digitais, pode fazê-lo digitalmente utilizando um dos muitos programas de computador que existem para manipulação de imagens, desde os óbvios utilizados no mundo da fotografia até soluções de programas gratuitos que, podendo não ser tão completos como as outros, serão uma boa iniciação ao tema. De chamar a atenção que esta atividade é para ser feita com algum cuidado pois pode ser altamente aditiva.
Independentemente da experiência e da frequência com que se entrega à prática fotográfica, este é um bom momento para experimentar fazer um diário. Seja com o equipamento habitual, seja com o telefone, fotografe os seus dias, as suas rotinas, os seus pensamentos, veja-se o espelho e fotografe-se, vá à janela e veja como vai o mundo lá fora, olhe o céu, fotografe a parede nua à sua frente. Mesmo que não faça nada com as fotografias, daqui uns anos vai olhar para elas e vai ter ali uma narrativa destes dias que não pensámos vir a viver e que esperamos nunca mais repetir.
Por fim, se nada disto faz ainda sentido para si, talvez seja melhor aproveitar e fazer um curso de fotografia. O Instituto Português de Fotografia tem um vasto leque de formações online que se adaptam ao seu nível de conhecimento e lhe permitem iniciar-se na fotografia ou consolidar os seus conhecimentos. Em qualquer destes casos, será sempre mais uma janela que se abre para o mundo quando estamos fechados em casa. E vai ver que vale a pena.
Texto e fotografia de Francisco Feio.
Fevereiro 2021