
O Que é a Composição Fotográfica? Uma Introdução
De uma forma algo simplista, podemos responder à pergunta “o que é a composição fotográfica?” como o sendo o conjunto de regras e convenções que nos permitem – ou devem – condicionar a organização dos diversos elementos que compõem uma imagem fotográfica. Esta resposta pode, aliás, ser dada relativamente outras formas de expressão visual, tais como a pintura, as artes gráficas, o cinema, etc.
Para iniciarmos a aproximação ao conceito de composição fotográfica, tentemos imaginar uma fotografia emoldurada numa parede. A moldura permite dar destaque à fotografia, separando-a do resto da parede. O acto de fotografar é uma constante tentativa de colocar uma moldura ao redor de alguma coisa que se apresenta diante dos nossos olhos. A composição fotográfica é, assim, nada mais do que o arranjo ou ordem em que colocamos os elementos dentro de um determinado enquadramento.
Apropriando-nos das palavras de Edward Weston: “(…) a tarefa mas importante, e talvez a mais difícil, do fotógrafo não será manusear a sua câmara, revelar ou tirar uma prova. A tarefa mais importante consiste em ver fotograficamente – ou seja, aprender a ver o seu tema em termos das capacidades dos seus instrumentos e processos, para que possa traduzir instantaneamente na fotografia que deseja fazer os elementos e os valores tonais de uma cena que tenha perante si.”[1]
Na fotografia, ao contrário de outras formas de produção de imagens, o respectivo processo de construção não se baseia numa síntese mas, antes, num processo de escolha. A imagem fotográfica resulta, desde logo, da escolha do enquadramento feita pelo fotógrafo, captando apenas parte da cena que se depara diante dele. Daí que, nas palavras do homem comum, o fotógrafo “tira” fotografias.
Ao contrário de um pintor, que inicia o seu trabalho com uma tela em branco e, a partir daí, constrói uma imagem, o fotógrafo essencialmente escolhe um determinado ponto de vista, deixando tudo o que o rodeia de fora.
São inúmeros os aspectos que tornam a composição fotográfica uma disciplina única entre as regras de composição das diversas formas de expressão visual, começando, desde logo, pelas suas características técnicas. Um dado essencial para perceber a composição fotográfica é que a câmera “vê” o mundo de uma forma muito diferente dos nossos olhos.
Lee Friedlander, Knoxville, Tennessee, 1971
As fotografias são, por definição, bidimensionais e quando fotografamos uma realidade que a nossa visão percepciona como tridimensional, surjem relações entre os diversos planos que não existiam até a fotografia ser feita. Nesta fotografia, de Lee Friedlander, a relação entre a o sinal de trânsito e a nuvem que que se encontra imediatamente por cima dele resultam de uma opção consciente do fotógrafo. Um passo para o lado e tal relação deixaria de existir.
Estas relações estabelecidas entre os diversos planos podem resultar de diversos factores para além do posicionamento do fotógrafo. A escolha de uma objectiva com uma determinada distância focal ou a utilização de diferentes aberturas relativas conduz a resultados bastante diferentes mesmo perante uma mesma cena.
Walker Evans, Gas Station, Reedsville, West Virginia, 1936
Nesta fotografia de Walker Evans todos os planos, com excepção do céu, surgem como sobrepostos, dando uma sensação de sobreposição dos diversos planos que é um claro resultado das escolhas técnicas feitas pelo fotógrafo no momento da tomada da fotografia.
William Eggleston, Memphis 1969/70
Nesta icónica fotografia de William Egglestone, a posição em que se encontra a câmera fotográfica em relação ao triciclo no primeiro plano, assim como o tipo de objectiva utilizada, faz com que o triciclo tome uma dimensão gigantesca a totalmente desproporcionada em relação aos demais elementos que compõe a fotografia.
As linhas que constituem o limite do visor da câmera fotográfica constituem os primeiros limites com que o fotógrafo tem de “jogar” para alcançar uma determinada composição. Mas outras linhas podem também ser utilizadas para criar diversos enquadramentos dentro de uma mesma fotografia.
Marc Riboud, A street as seen from inside an antique dealer’s shop in Beijing, 1965
No exemplo acima, Marc Riboud fotografou, a partir do interior de uma loja e através de janelas, uma cena do exterior da rua. As linhas criadas pelas janelas criam diversos enquadramentos dentro do enquadramento, permitindo diversas leituras da fotografia. Podemos interpretar a fotografia como uma única cena ou, se tomarmos atenção apenas a cada uma das janelas, podemos distinguir cenas diversas em cada uma delas, e independentes entre si.
Henri Cartier Bresson, Valencia, Spain, 1933
De uma forma muito mais subtil do que na fotografia anterior, neste caso Cartier Bresson utilizou uma janela na porta de madeira para enquadrar um retrato no primeiro plano. Através da abertura vertical na porta, podemos vislumbrar uma segunda cena, que constitui igualmente um enquadramento dentro do enquadramento.
Não é apenas através do recurso a elementos físicos, tais como portas e janelas, que o fotógrafo pode criar diversos enquadramentos dentro do enquadramento. Também a partir da existência de diversos tipos de luz com temperaturas de cor diferentes ou tirando partido de diversas intensidades de luz, pode criar diversas “cenas” dentro de uma mesma fotografia.
Alex Webb TURKEY. Istanbul. 2001. On board a ferry at dusk near the Princess Islands.
A cor assume também um papel fundamental na composição fotográfica. Diversas cores dão ambientes e provocam sensações totalmente distintas. A palete de cores existente numa fotografia condiciona fortemente a leitura da mesma, podendo remeter para determinados sentimentos ou até para uma certa época histórica.
Alec Soth, Kym, Polish Palace, Minneapolis, Minnesota
Martin Parr, England, Sedlescombe, British flags at a fair, 1995-1999
Harry Gruyaert, Belgium, Waterloo, 1981
Stephen Shore, U.S. 10, Post Falls, Idaho, August 25, 1974
Se, em ambientes controlados, tais com em situações de fotografia de estúdio, o fotógrafo pode pensar cuidadosamente na composição para a fotografia, na fotografia de rua tal não é possível. Esta exige um exercício de antecipação relativamente ao que irá surgir em frente à câmera fotográfica.
Jeff Wall é um artista canadiano que, em muitas das suas imagens, inspira-se em modelos provenientes da pintura e reinventa-os com recurso a técnicas fotográficas.
Jeff Wall, A Sudden Gust Of Wind (After Hokusa), 1993
Este é um exemplo de uma imagem (fotomontagem) produzida por Jeff Wall que resultou de um conjunto de fotografias feitas no decurso de vários meses e posteriormente sobrepostas com recurso a programas de edição de imagem. Abaixo, podemos ver a pintura de Katsushika Hokusai que serviu de inspiração a Jeff Wall.
Katsushika Hokusai, Ejiri in Suruga Province (Sunshū Ejiri), from the series Thirty-six Views of Mount Fuji (Fugaku sanjūrokkei)
Fora dos ambientes controlados do estúdio ou dos ambientes encenados criados por fotógrafos como Jeff Wall ou Philip-Lorca diCorcia, o fotógrafo é confrontado com um ambiente em constante mudança, com um mundo em movimento, sendo o seu principal desafio conseguir captar uma fracção desse movimento e criar imagens fotográficas cuja composição permita transmitir uma determinada mensagem e que abram o observador a novos mundos.
Robert Frank, Trolley, New Orleans
Depois desta “viagem” por diversos fotógrafos, podemos voltar à pergunta inicial. O que é, então, a composição fotográfica?
A composição fotográfica não é mais do que a forma como, atendendo às características físicas e técnicas do meio fotográfico, são organizados os elementos dentro de um determinado enquadramento com vista a transmitir uma determinada mensagem.
A composição pode também, em termos práticos, ser definida como um conjunto de regras que permitem ao fotógrafo criar imagens com determinadas características, de apontar para determinadas partes da fotografia, de guiar o olhar do observador. Uma boa composição permite criar uma fotografia admirável até dos mais banais objectos.
É comum referirmo-nos às diversas regras da composição fotográfica e existem, de facto, um conjunto de regras que podem ser seguidas para alcançar determinados efeitos, seja para dar destaque a uma determinada parte da imagem, seja para guiar o olhar do observador, para criar uma ilusão de movimento ou de paragem no tempo, etc.. Mas devemos sempre seguir estas regras? A escolha competirá a cada um, mas, retomando os ensinamentos de Edward Weston, nunca nos deveremos esquecer que “(…) consultar as regras da composição antes de criar uma imagem é um pouco como consultar a lei da gravidade antes de ir dar um passeio. Essas regras e leis são deduzidas do facto consumado; são o produto da reflexão e do exame a posteriori, não fazendo, em aspecto algum, parte do ímpeto criativo. Quando o tema é forçado a ajustar-se a padrões preconcebidos, não pode haver espontaneidade de visão. Seguir regras de composição só pode conduzir a uma repetição imediata de clichés pictóricos.”[2]
[1] Edward Weston – “Ver fotograficamente” – in Ensaios Sobre Fotografia, de Niépce a Krauss, Org. Alan Tranchtenberg, Orfeu Negro, pág. 189.
[2] Edward Weston, ob. cit. pág. 191