
Dois incidentes sem lugar no processo analógico
Fotografia João Pedro Raimundo
Levante o braço quem nunca olhou de imediato para o ecrã traseiro, logo após efectuar o disparo, para confirmar se a imagem ficou, ou não, de acordo com o pretendido. Muitas vezes tomando esse primeiro disparo somente como um teste, para verificar quais os parâmetros a reconfigurar, no sentido de potenciar a conformidade do que a câmara vê, com o que se pretende evidenciar.
Este é o primeiro, que nos distancia do acto de observar a realidade, e nos aproxima da constatação da sua representação.
A existência de um instrumento que exibe o resultado final, que nos permite ver com detalhe particularidades relativas ao enquadramento, luminosidade, tempo de exposição, e claro, o foco, não deve ser desaproveitado. Atendendo que, depositar toda a confiança num ecrã de dimensões reduzidas e sujeito às suas intrínsecas peculiaridades, pode ser comprometedor.
Depois temos o segundo, que omite o processo, quando corremos para o computador, descarregamos o cartão, abrimos o programa de edição de imagem e, voilà, ali está a imagem.
Considerando estas ferramentas enquanto elemento facilitador, é indiscutível que todo o processo se torna inequivocamente mais célere. Contudo, no decurso do processo digital, muitas das subtilezas de todo o processo fotográfico ficam pelo caminho, não são diluídas, ficam ocultas e outras são mesmo extintas, concedendo ao autor o imediatismo do resultado final. Quem não nunca tiver experienciado o laboratório analógico, fica sem saber muito bem o que aconteceu. Carrega-se no botão e a imagem aparece. Já está!
Do processo digital, resulta um outro tipo de observador, não menos capaz, apenas diferente. Eventualmente desenvolvem-se outras mestrias, extinguem-se certos cuidados e, factualmente, amplia-se a submissão à plena proficiência de toda a electrónica envolvida.
Já no processo analógico, a responsabilidade e controle do resultado é da competência do utilizador e não da máquina. É mais intuitivo, todas as decisões e acções são da sua incumbência. Quando o resultado não corresponde ao expectável, impõe-se uma avaliação cuidada de toda a metodologia: da película utilizada, passando por todas as etapas do processo químico, da revelação à ampliação, do ampliador e do papel. É factual a maior imprevisibilidade, mas consideremos a exclusividade, o sortilégio que do equívoco pode advir.
Todo o tempo, trabalho e dedicação, são recompensados com o desenlace da folha branca onde, como que por magia, vemos surgir a imagem.
Quer experimentar laboratório analógico? Inscreva-se aqui!
O autor do texto não escreve ao abrigo do AO90.
João de Goes