Direito à Imagem (8) – Exceção às Exceções de Dispensa de Consentimento
- Publicado por
- Categorias Artigos de opinião, Blog, Fotografia e Direito
- Data 31 Janeiro, 2019
[Contribuição de Mário Serra Pereira]
Vimos anteriormente que a lei impede, genericamente, a exposição, a reprodução ou o lançamento no comércio do retrato de alguém sem o seu consentimento, dos seus representantes legais ou herdeiros. Conhecemos de seguida um conjunto de exceções que a mesma contempla nesta matéria, permitindo o uso do retrato de alguém com o seu consentimento tácito ou, até, sem necessidade do seu consentimento. Porém, é ainda a lei que coloca um último limite ao uso da imagem de alguém, ainda que a mesma tenha sido legitimamente obtida e possa ser utilizada num contexto de desnecessidade de autorização.
Código Civil
Dispõe o n.º 3 do artigo 79.º do Código Civil que «o retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada».
Esta formulação genérica coloca algumas limitações ao uso do retrato de figuras públicas ou cidadãos comuns.
O que pode entender-se por honra, reputação e decoro?
Como escreve Rabindranath Capelo de Sousa[1], o conceito de honra tutelado pelo Direito «abrange, desde logo, a projeção do valor da dignidade humana, que é inata (…), insuscetível de ser perdida por qualquer homem (…), a não ser que os seus atos demonstrem o contrário.
(…) inclui também o bom nome e a reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo.
Engloba ainda o simples decoro, como projeção de valores comportamentais do indivíduo, no que se prende ao trato social.»
Logo a seguir acrescenta o mesmo autor[2] «estes bens são tutelados (…), impondo às demais pessoas (…) um dever geral de respeito e de abstenção de ofensas ou mesmo de ameaças de ofensas, à honra alheia, sob cominação das sanções previstas nos arts. 70.º, n.º 2 e 483.º do Código Civil». E adianta que a proteção da honra pelo Direito Civil «não se restringe, como no direito penal, ao sancionamento de condutas dolosas, mas também alcança a defesa face a condutas meramente negligentes.
Por último, no direito civil, não há uma taxatividade de modos típicos de violação do bem da honra, relevando todas as ofensas à honra não só em público, mas também em privado, quer verbais, quer por escrito, gestos ou imagens, tanto as que envolvam a formulação de difamações ou juízos ofensivos, como as que levantem meras suspeitas ou interrogações, de per si lesivas, e mesmo quaisquer outras manifestações de desprezo pela honra alheia.
Tudo isto, porém, sem prejuízo de uma graduação da ofensa em função da particular importância da área violada do bem da honra, do grau de intensidade do dolo ou da negligência e da especial expressividade do modo da violação».
Com esta multiplicidade de variáveis de ordem pessoal e social, o que sejam a honra, a reputação ou o simples decoro da pessoa retratada tem de ser aferido em concreto.
Caberá ao fotógrafo, em primeira linha, essa aferição, segundo os seus valores pessoais e socias, mas igualmente assegurando o conselho de terceiros e, no limite, não usando um retrato que legitimamente obteve.
Em primeiro lugar, a fotografia em si. As questões que o fotógrafo deverá colocar-se são, por exemplo, se, apesar de a fotografia poder ser excecional, a mesma não expõe inadvertidamente alguma parte do corpo, se não revela um gesto equívoco ou se o contexto poderá de alguma forma menorizar o retratado.
Depois, o contexto de utilização. Aqui, o fotógrafo terá de ponderar a exposição que pretende dar à imagem – se apenas no seu portfolio impresso e de uso restrito, se em locais da internet ou através da comunicação social. Cada uma destas formas de disponibilização, exemplificativas, tem de ser vista ao pormenor e até poderá chegar-se à conclusão que a disponibilização da mesma imagem num contexto poderá ser aceitável e noutro totalmente reprovável. Será o caso de uma fotografia de rua exibida num contexto artístico, por exemplo um evento promovido por uma entidade de reconhecido valor cultural (um museu, um município), e a mesma fotografia simplesmente exibida numa página pessoal na internet, com uma legenda equívoca.
Sanções
Genericamente, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral e, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida[3].
Neste contexto, o Tribunal da Relação de Lisboa explica que «a responsabilidade por ofensas à personalidade física ou moral são aplicáveis, em termos gerais, os artigos 483.º e seguintes, dispondo o artigo 484.º que responde, pelos danos causados quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva. A lei protege (…) as pessoas contra qualquer ofensa ilícita à sua personalidade moral»[4].
[1] O Direito Geral de Personalidade, págs. 303/305.
[2] Idem, págs. 305/306.
[3] Artigo 70.º do Código Civil.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 2769/2006-6, de 20-04-2006, disponível em www.dgsi.pt
Cursos relacionados
Workshop de Fotografia e Direito (Lisboa)
Início: 18 de março de 2019
Término: 26 de março de 2019
Valor: € 95
Saber mais
Tag:Direito à Imagem
Artigo seguinte
A forma mais fácil de eliminar manchas das fotografias no Lightroom
Também lhe pode interessar...

Trabalho Fotográfico “Salmoura”, de Marco Soares

Concurso: “My safe place: keep the present, protect the future.”
