
Personalidades da Fotografia – Daido Moriyama
Retrato de Moriyama por Roland Hagenberg
A rubrica PERSONALIDADES DA FOTOGRAFIA é assinada pelo investigador Luís Mendonça.
A rua é tão importante para a vida como para a arte de Moriyama que o seu primeiro nome, Hiromichi, que também se lê Daido, significa “Hiro” (“larga”) mais “michi” (“rua”); portanto, “rua ampla”. Moriyama começou por ser um designer a viver em Osaka, mas decidiu subitamente mudar de área. Aprendeu fotografia em Tóquio, absorvendo os ensinamentos do mestre Eikoh Hosoe de um ponto de vista técnico e, outro nome importante da fotografia japonesa, de Shomei Tomatsu de um ponto de vista estético. Moriayama conheceu Hosoe no seio do grupo Vivo, uma comunidade de fotógrafos que se estabeleceu em 1957 para analisar as mudanças operadas na sociedade japonesa do pós-Segunda Guerra Mundial.

Moriyama fez parte de outro importante grupo de artistas: o da mítica revista de fotografia Provoke. Esta publicação tinha como subtítulo “Materiais provocadores para pensadores”. Publicava nas suas páginas fotografias, mas também poesia e textos teóricos, ainda que nunca subordinasse a imagem ao texto. Moriyama publicou em 1969 dois trabalhos na Provoke. Sob o tema “Eros” publicou, no segundo número da revista, imagens íntimas de nudez tiradas num quarto de hotel onde Moriyama passou a noite na companhia de uma mulher. Outro trabalho sobre uma ‘drugstore’ em Aoyama foi tornado público no terceiro e derradeiro número da Provoke.

As fotografias de Moriyama são caracterizadas por uma estética primitiva, instintiva, elusiva, fantasmal, quase abstracta. O desfoque, a vibração e o preto-e-branco muito granuloso e contrastado, à beira da extinção, são elementos recorrentes na sua linguagem fotográfica. Quando mais recentemente, para o livro “Imitation” (um entre os mais de centena e meia de ‘photo books’ que produziu), Moriyama publica a fotografia de um televisor, não é o aparelho, nem sequer o seu suposto conteúdo, que o fascina, mas a qualidade – intensa vibração – do grão dessa imagem “grau zero” do ecrã.
Moriyama definirá celebremente a fotografia como “um fóssil de luz e tempo”. Refere muitas vezes, ao mesmo tempo, a necessidade de captar um certo “cheiro do tempo”, porque com o registo vem sempre mais qualquer coisa. Isto era algo que era caro à geração de artistas a que pertenceu, uma era que se pode designar por Provoke, em que cabe o nome de Moriyama, mas também de Takuma Nakahira, Shomei Tomatsu e Nobuyoshi Araki. Era comum a estes fotógrafos uma certa “atitude política”, que tinha em vista, mesmo que subsidiariamente, produzir o retrato das convulsões por que a sociedade japonesa então atravessava, embalada que estava pelos ventos de mudança gerados pelos acontecimentos do Maio de 68 na Europa.


Moriyama foi buscar inspiração à literatura e fotografia americanas. Desde logo, à obra de Andy Warhol e à “New York” de William Klein. Por outro lado, deixou-se intoxicar pela narrativa ‘on the go’, crua, directa e imediata, de “On the Road” de Jack Kerouac. Aprendeu com este livro o prazer da “viagem pela viagem”. Em entrevista a Filippo Maggia, no livro “Daido Moriyama: The World Through My Eyes”, confidencia: “Para mim viajar significa estar em movimento, ao invés de chegar a um determinado lugar.”
Munido de uma câmera fotográfica, Moriyama viajou pelo Japão à boleia, muito ao estilo da Beat Generation. Estas fotografias foram publicadas na série “A Hunter” de 1972, em que consta a sua famosa imagem de um cão, animal que se tornou no símbolo maior da sua maneira de fotografar, sempre em movimento e com faro para ângulos poderosos. “A Hunter” constituiu um momento definidor da estética de Moriyama. No mesmo ano saiu aquela que é, para muitos, a sua ‘magnum opus’, “Shanshin yo Sayonara” (“Bye, Bye Photography” ou “Farewell Photography”). Como é que Moriyama produziu estas imagens à beira da combustão? De facto, como um caçador em movimento que dispara sem pensar duas vezes.

Em Moriyama vigora a estética do ‘snapshot’, rápida, irreflectida, instantânea. As suas imagens velozes, vibráteis, nascem de uma postura muito particular em relação à fotografia como técnica. Conta Araki, no documentário “Near Equal Moriyama Daidou”, que Moriyama ensinou toda uma geração a libertar-se da escravidão da máquina. O seu ensinamento era simples: o fotógrafo usa a câmera como um escritor que escreve um romance, seja com uma caneta ou com um lápis.
Moriyama refere que algumas das suas câmaras foram oferecidas; portanto, encontradas e não procuradas. Moriyama por vezes nem olha – ou olha muito rapidamente – para o visor quando se move – e se perde – na selva urbana. Diz o próprio, no texto escrito por si «A Dialogue with Photography»: “Desejo tirar fotografias livremente, sem restrições técnicas. Por exemplo, tiro muitos dos meus instantâneos num carro em movimento, ou sem olhar para o visor quando vou a pé. Dir-me-ão que tiro fotografias não apenas com os olhos, mas com o corpo inteiro.”. Remata depois: “Se tenho de pegar numa câmera e começar a pensar na composição, penso que a fotografia ficará gradualmente formal e reflexiva, porque a intensidade e as impressões momentâneas terão diminuído”. Com efeito, dificilmente se pode caracterizar melhor a fotografia de Moriyama: “arte da intensidade, da impressão e do momentâneo”.
Contribuição de Luís Mendonça