O Respeito pelo Direito à Imagem da Pessoa Retratada (2) – o Consentimento
[Contribuição de Mário Serra Pereira]
A proteção constitucional do direito à imagem, tal como referido no artigo anteriormente publicado, não determina a proibição absoluta de captação de retratos de pessoas nem a exclusão das imagens do comércio ou do seu uso em outros contextos. Assim, a lei geral encarrega-se de explicitar de que modo pode ser obtido o consentimento da pessoa retratada, criando um equilíbrio entre os direitos potencialmente conflituantes: nos termos do n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil, estabelece-se que o consentimento pode ser prestado de forma expressa ou tácita; por outro lado, o artigo 79.º do mesmo diploma determina as circunstâncias em que o consentimento expresso é dispensado.
Forma do consentimento
Nos termos do artigo 219º do Código Civil, vigora o princípio da liberdade de forma: «a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir». No mesmo sentido veja-se o n.º 2 do artigo 38.º do Código Penal: «o consentimento pode ser expresso por qualquer meio que traduza uma vontade séria, livre e esclarecida do titular do interesse juridicamente protegido, e pode ser livremente revogado até à execução do facto»[1].
Deste modo, o fotógrafo pode obter o consentimento da pessoa retratada por qualquer forma que possa ser usada para demonstrar a vontade da outra parte.
O consentimento expresso
O artigo 79.º do Código Civil estabelece um conjunto de regras fundamentais relativas ao direito à imagem de uma pessoa. Começa por fixar um princípio geral de uso apenas mediante consentimento, para depois estabelecer algumas exceções e termina com a limitação às exceções que permitiu antes. Parecendo algo confuso, não será depois da sua análise sistemática.
Em regra, o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o seu consentimento. Trata-se de uma norma clara e que sem outro enquadramento limitaria em absoluto a possibilidade de captação de retratos ou imagens em que figurem pessoas sem o seu consentimento.
Depois da morte da pessoa retratada, a autorização do uso da sua imagem compete ao cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido, segundo esta ordem[2].
Ainda neste contexto e a propósito do consentimento, importa salientar a problemática dos menores e dos interditos:
- Os menores, de 18 anos de idade[3], carecem de capacidade para o exercício de direitos. Esta incapacidade é suprida pelo poder paternal ou pela tutela. Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens[4].
- Por seu turno, podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens. As interdições são aplicáveis a maiores de idade e o interdito é equiparado ao menor, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal[5].
Resulta assim, que os menores e os interditos não podem dar diretamente ao fotógrafo o seu consentimento de uso da sua própria imagem. Deverá haver o cuidado de o recolher junto do progenitor que exerça o poder paternal ou de quem esteja legalmente habilitado a exercer a tutela.
O consentimento tácito
O Código Civil estabelece igualmente regras quanto ao consentimento tácito. Dispõe o n.º 1 do artigo 217.º que «a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam». E esta regra é aplicável mesmo no caso das declarações formais, determinando o n.º 2 do mesmo artigo que «o caráter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz».
É assim, por força da lei, que se estabelece claramente a possibilidade de o fotógrafo obter o consentimento tácito da pessoa retratada, podendo dar uso às imagens obtidas desde que, perante o circunstancialismo do caso concreto, consiga demonstrar que quem figura na fotografia assentiu à sua captação e usos razoáveis inerentes. O olhar inequívoco e sorridente para a câmera pode ser uma demonstração de que a pessoa retratada consentiu na captação da imagem – porém, outros factos podem desmentir esta conclusão, tudo dependendo do caso concreto. Noutras situações, mesmo que a pessoa retratada esteja alheada da captação da imagem poderemos estar perante um caso de consentimento tácito. É o caso que iremos ver de seguida – e que chegou ao Supremo Tribunal de Justiça.
[1] Sobre o consentimento em Direito Penal veremos mais adiante, quando for abordada a problemática dos crimes relacionados com a fotografia.
[2] Cf. n.º 1, parte final, do artigo 79.º e o n.º 2 do artigo 71.º, ambos do Código Civil.
[3] Cf. artigos 122.º e seguintes do Código Civil.
[4] Cf. artigo 130.º do Código Civil.
[5] Cf. artigos 138.º e 139.º do Código Civil.
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