
História da Fotografia Digital: Uma Introdução
Longe vão os tempos em que para fazer aquela que se tornou a primeira fotografia conhecida, Nicéphore Niépce utilizou um tempo de exposição de cerca de oito horas. Actualmente, com a fotografia digital, o tempo entre fazer uma fotografia e colocá-la online pode ser de apenas uma fracção de segundo.
A progressiva transformação da fotografia de um meio que se encontrava dependente do desenvolvimento de processos químicos sobre materiais sensíveis à luz para a utilização de tecnologias digitais com vista à captura e armazenamento de fotografias foi um processo lento, cujo início se reporta aos tempos da Guerra-Fria.
Desde o aparecimento da tecnologia digital, a fotografia digital foi sucessivamente sofrendo transformações e melhoramentos, desde logo no que respeita ao desenvolvimento de novas câmeras fotográficas, sensores, formas de armazenamento e transferência de ficheiros e, mais importante que tudo, na qualidade da imagem fotográfica.
A fotografia digital veio revolucionar a forma como fazemos e vemos fotografia e, neste artigo, exploramos a história da fotografia digital.
“Nicephore Niepce, View from his Window at Le Gras, 1827. Gernsheim Collection, Humanities Research Center, University of Texas, Austin.
1- O Início
Podemos remontar a história da fotografia digital ao ano de 1957, no qual o Russel Kirsch produziu a primeira imagem digital num computador. Ao serviço do United States National Bureau of Standards, Kirsch desenvolveu um scanner no qual produziu um imagem digital a partir de uma fotografia do seu filho.
Imagem produzida por Russel Kirsch a partir de uma fotografia do seu filho
Em 1969, George Smith e Willard Boyle dos Laboratórios Bell desenvolveram o CCD (charge-coupled-device). O CCD esteve no centro do desenvolvimento da fotografia digital, pois é o instrumento (sensor) que permite converter luz em sinais eléctricos. Esta invenção constituiu a peça tecnológica chave que conduziu à revolução da fotografia digital. O primeiro CCD tinha apenas 100 x 100 pixels. Em 1973 a Fairchild Imaging iniciou a produção comercial de sensores CCD, os quais se tornaram a base de desenvolvimento do mundo da fotografia digital.
Em 1975 um engenheiro da Eastman Kodak, Steve Sasson, criou aquela a que se pode chamar a primeira câmera fotográfica digital. Sasson utilizou um sensor Fairchild CCD e uma objectiva de uma câmera de filmar da Kodak.
O primeiro protótipo de uma câmera fotográfica digital desenvolvido por Steve Sasson para a Eastman Kodak.
A câmera de Steve Sasson pesava cerca de 4 Kg e apenas produzia imagens digitais a preto e branco que eram gravadas numa cassete. As imagens digitais produzidas tinham apenas 10.000 píxeis e demoravam vinte e três segundos a serem gravadas na cassete.
Esta câmera, que constitui um dos principais marcos no desenvolvimento da história da fotografia digital, não estava ainda minimamente preparada para a comercialização ao público sendo que ainda iriam decorrer décadas até as primeiras câmeras fotográficas digitais atingirem o mercado. Por outro lado, a Kodak centrava todo o seu modelo de negócio na fotografia analógica e nunca apostou verdadeiramente no desenvolvimento da fotografia digital.
No ano seguinte foi alcançado um outro marco na história da fotografia digital quando Bryce Bayer inventou o Bayer Color Filter Array (Padrão Bayer) que permitiu que um sensor registasse imagens a cor.
Representação do Padrão de Bayer
O Padrão Bayer consiste na distribuição de uma malha de minúsculos filtros com as cores primárias (vermelho, verde e azul) por cima do sensor. O Padrão de Bayer continuam a ser usados na maioria das câmeras fotográficas digitais actuais.
Em 1981 é construída a primeira câmera verdadeiramente digital por uma equipa de cientistas da University of Calgary Canada. Foi designada All Sky e desenvolvida tendo em vista fotografar auroras boreais e recorria a um sensor CCD da Fairchild de 100 x 100 pixéis.
Também em 1981 a Sony apresentou a primeira versão da Mavica (abreviatura de Magnetic Video Camera). Apesar de também constituir um marco importante na história da fotografia digital, a Sony Mavica era essencialmente uma câmera de video que conseguia capturar fotografias e não propriamente uma verdadeira câmera fotográfica digital. Esta câmera registava imagens com 0.72 megapixels e guardava até 50 imagens numa disquete.
Recorrendo a tecnologia semelhante à da Mavica, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles de 1984 a Canon em parceria com um jornal japonês, o Yomiuri Shimbun, desenvolveu um processo de transmissão de fotografias via telefone. A Canon conseguiu desenvolver a tecnologia que permitiu transmitir, via telefone, dos Estados Unidos para o Japão, fotografias com cerca de 0,4 megapixels.
Em 1986 a Kodak apresentou o primeiro sensor com mais de 1 megapixel. O sensor desenvolvido pela Kodak, de 1,4 megapixéis foi utilizado na câmera Videk Megaplus que se destinava a uma utilização industrial e científica.
Em 1988 a Fujifilm anunciou o lançamento da primeira câmera que guardava informação num cartão de memória. Apesar de ser actualmente de utilização generalizada, esta forma de armazenamento de informação foi na altura absolutamente revolucionária. O cartão de memória utilizado pela Fujix DS-1P possibilitava armazenar a informação correspondente a entre cinco e dez fotografias.
Fujix DS-1P, a primeira câmera fotográfica a utilizar um cartão de memória
2 – Desenvolvimento e Consolidação
No decurso da década de noventa do século passado e na primeira década do século XXI, assistimos a significativos avanços na utilização da tecnologia digital na fotografia e à sua verdadeira implementação no mercado, quer profissional quer amador, da fotografia.
Logo em 1990 a Adobe lançou a primeira versão do Photoshop (em 1989 e Macintosh já tinha lançado um software de edição de imagem, o Color Studio 1.0), o que constitui um importante marco na história da fotografia digital uma vez que este se veio a tornar o software de edição de imagem mais utilizado no mercado e um verdadeiro standard no que diz respeito à edição de fotografias.
Em 1991 a Kodak lançou o primeiro sistema de fotografia digital que tinha em vista a sua utilização por fotojornalistas. Este sistema usava uma câmera analógica Nikon F-3 adaptada com um sensor CCD de 1.3 megapixéis. O sistema recebeu a denominação Kodak Professional DCS 200 IR digital camera, mas ficou comumente conhecido como DCS 100.
O sistema Kodak Professional DCS 200 IR digital camera
No ano seguinte, 1992, a Apple lançou a Quick-Take 100, uma câmera digital destinada ao mercado amador de fotografia e que podia ser ligada a um computador pessoal através de um cabo.
O ano de 1999 marca um outro importante evento na evolução da fotografia digital com a introdução no mercado da Nikon D1. A Nikon D1 é uma câmera fotográfica reflex digital (DSLR). Tinha um sensor de 2.7 megapixéis e permitia a utilização de toda a linha de objectivos F-mount da Nikon. O corpo da câmera era em tudo semelhante ao da câmera analógica F5 o que permitia uma rápida adaptação dos fotógrafos que já utilizavam este sistema à nova câmera.
No ano 2000 a Canon lançou a EOS D30, com um sensor de 8.2 megapixéis e que se caracterizava por ter um corpo pequeno e leve e um modo de fotografia automático que a tornava apelativa a todo o género de consumidores e, nessa medida, ajudou a expandir a utilização da fotografia digital a fotógrafos amadores.
No ano de 2006 a Nikon deixou de fabricar a maioria dos modelos de câmera fotográfica analógica, tendo, a partir daí, focado apenas o desenvolvimento de sistemas fotográficos digitais.
O século XXI marca também o aparecimento dos primeiros telefones móveis com câmera fotográfica digital incorporada e a massificação da utilização da internet, ambos com impactos profundos na forma de fotografar e na utilização da fotografia.
A massificação da fotografia digital e a consequente maior facilidade de manipulação da estrutura de uma imagem fotográfica, veio introduzir muitas questões relativamente à veracidade da fotografia e mesmo relativamente ao seu valor documental. Para alguns, a fotografia digital provocou mesmo uma alteração da natureza do meio fotográfico.
Sublinhamos, contudo, que a possiblidade de alteração da imagem não é um exclusivo da fotografia digital. A manipulação dos factos visuais com vista ao aumentar o seu impacto visual é praticamente tão antiga como a própria fotografia, sendo conhecidos exemplos de tais práticas, por exemplo, em fotografias feitas no decurso da Guerra da Crimeia e da Guerra Civil Americana, no século XIX.
Um exemplo muito conhecido de manipulação do conteúdo factual de uma imagem fotográfica é a fotografia de Yevgeny Khaldei, feita no momento da ocupação do Reichstag pelo exército vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, na qual foram feitas diversas alterações, nomeadamente a remoção de um relógio do pulso de um dos soldados (o segundo relógio no pulso podia ser entendido como tendo sido roubado a um soldado alemão morto, pelo que foi retirado para efeitos propagandísticos, assim como alterados efeitos do fumo e do contraste na bandeira).
Soldiers raising the Soviet flag over the Reichstag, 1945
O impacto da fotografia digital não se fez sentir na sua totalidade até à primeira década do Século XXI, sendo que eventos históricos muito significativos tais como os ataques de 11 de Setembro de 2001 foram ainda na sua quase totalidade fotografados com recurso a câmeras fotográficas analógicas.
A facilidade e rapidez que a evolução de tecnologia digital veio permitir na captura, edição e transmissão de fotografias (acompanhada de uma passagem para um mundo cada vez mais virtual e online), conduziu a que a maioria dos jornais e revistas fizesse a transição da fotografia analógica para a digital.
Um dos impactos mais profundos da fotografia digital foi a proliferação da partilha de fotografias, o que conduziu a uma modificação na definição e concepção de espaços públicos e privados, da forma como interagimos com o que nos rodeia e como partilhamos essa experiência com os outros. Este fenómeno não é singular à fotografia, verificando-se igualmente noutras formas de comunicação e expressão (pense-se nos blogs, na partilha de opiniões e informação via twitter e facebook, etc.).
É difícil prever quais serão as próximas grandes evoluções na fotografia digital. No entanto, podemos antecipar que estarão relacionadas com a forma como a captura digital das imagens nos permitirá afastar cada vez mais da relação óptica com a realidade, entrando no mundo do 3D e da realidade virtual.