
Uso de Fotos Livremente Acessíveis no Facebook pode ser Crime
Contribuição de Mário Serra Pereira
Contrariamente ao que muitos leigos entendem, a disponibilização de fotografias no Facebook (ou em qualquer outra rede social) não implica a permissão automática da sua utilização por toda e qualquer pessoa. Este artigo, partindo de decisões jurídicas recentemente firmadas em Tribunal, esclarece porquê.
Retratos livremente acessíveis no Facebook – o que o Tribunal entende?
O Tribunal da Relação do Porto decidiu recentemente[1] que «constitui o crime do artº 199º CP [Código Penal] (fotografias ilícitas), a realização de cópias informáticas de fotografias existentes dos lesados e dos filhos e livremente acessíveis no Facebook daqueles e o seu envio posterior aos próprios por e-mail, por ter sido feita contra a vontade de quem elas retratavam».
O que sucedeu?
Foi dado como provado pelo Tribunal que no início de Outubro de 2014, o arguido B adquiriu diversas peças de automóveis à empresa “D, Lda.”, gerida por C e E. Na sequência desse negócio, os intervenientes desentenderam-se, dizendo o arguido que C e E o enganaram, tendo pago a quantia de € 3.973,01 para a aquisição de peças de automóvel que nunca lhe foram entregues. Por este motivo, o arguido começou a enviar e-mails a C e E a partir de endereços de correio eletrónico que criou. Em alguns dos e-mails, o arguido anexou fotos de familiares de C e E, que retirou de páginas de perfil do Facebook.
O Tribunal deu como certo que o arguido atuou com a intenção concretizada de ofender a honra e consideração de C – e mais, que atuou com a intenção de constranger C e E a devolverem-lhe a quantia que havia entregado para pagamento das peças automóveis que lhes adquiriu, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer que seria capaz de atentar contra a integridade física dos mesmos e dos seus familiares, incluindo os dois filhos menores.
Mas as fotos livremente disponibilizadas no Facebook não podem ser utilizadas?
Contrariamente ao que muitos leigos entendem (e por vezes alguns juristas menos esclarecidos em matéria de redes sociais e tecnologia), a disponibilização de quaisquer fotografias no Facebook (ou em qualquer outra rede social) não implica a permissão automática da sua utilização por toda e qualquer pessoa – tanto quanto à proteção da imagem dos retratados, como quanto à proteção do trabalho fotográfico em sede de direitos de autor. Mas aqui está apenas em causa a proteção da imagem dos retratados e é essa questão que iremos ver.
Qual foi o raciocínio do Tribunal para chegar à decisão tomada?
No caso concreto, ficou provado que o arguido acedeu às fotografias no Facebook, de modo lícito, porquanto as mesmas estavam livres ao seu acesso em tal rede social, o que lhe permitiu visualizá-las.
Contudo, e é esta questão que importa realçar, tal não permitia ao arguido usá-las sem o consentimento dos visados, antes tendo-o feito «contra vontade dos mesmos, guardando-as e anexando-as aos e-mails que anonimamente endereçou aos assistentes, o que se traduz, assim, numa utilização proibida nos termos definidos no artigo 199.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal». Aliás, em concreto, o arguido confessou que sabia não ter consentimento de C e E (por si e em representação dos seus dois filhos menores) para utilizar as fotografias, sabendo que atuava de modo proibido e punido por lei.
Quais foram as consequências para o arguido?
A situação em causa tinha outros contornos, descritos no acórdão, que levaram a uma condenação em primeira instância pela prática de um crime de injúria, dois crimes de coação na forma tentada, e quatro crimes de fotografias ilícitas. Pela prática destes últimos[2], o arguido foi condenado na pena, por cada um, de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. Porém, em cúmulo jurídico[3], foi condenado na pena única de 700 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, no total de € 4.550,00, e ainda a pagar a C, a quantia de € 450,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Discordando da pena única imposta, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação, onde lhe foi reconhecida parcialmente razão nos seus argumentos, tendo sido fixada «ao arguido, em cúmulo jurídico (pelas penas parcelares fixadas pela instância recorrida em relação aos crimes de injúria, coação na forma tentada e fotografias ilícitas, pelos quais foi condenado), a pena única de 580 (…) dias, à taxa diária de € 6,50 (…), o que perfaz a multa global de € 3.770,00 (…)».
[1] Processo 47/15.2T9AGD.P1, em 12-07-2017. Acórdão disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/118e597660e117938025817600540bd5?OpenDocument
[2] Relevantes neste artigo. Para mais detalhes poderá ser consultado o acórdão no endereço indicado.
[3] Dispõe o artigo 77.º do Código Penal que «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena».